INTRODUÇÃO
Este projeto tem como objetivo primário investigar o imaginário coletivo envolvendo a possível passagem do médico Josef Kanat no município de Mamborê, estado do Paraná, sua vinculação à identidade do médico alemão Josef Mengele, bem como os respectivos desdobramentos de traumas psíquicos (pessoais e familiares) decorrentes de
imperícia, imprudência ou negligência médica. Como
objetivo secundário, pretende-se, a partir da História Pública Digital, refletir, compartilhar e difundir conhecimento histórico e desenvolver tanto ações quanto o desenvolvimento de website (podcast) a fim estimular o contato com o público e promover interações em torno dos temas desta pesquisa.
A investigação está vinculada à linha de Pesquisa
Memórias e Espaços de formação do Programa de Mestrado em História Pública da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) e ao Grupo de Pesquisa
Cultura & Sensibilidades.[1] O interesse pelo tema surgiu em razão de frequentes relatos populares, que ancorados em noticiários da mídia, apontavam que o médico nazista Josef Mengele teria adotado a identidade de Josef Kanat. Essas recordações ou reavivamentos nos intrigou e, agora, procuramos entendê-los de maneira mais aprofundada. Além do mais, os mistérios que envolvem estes acontecimentos no município resultaram na construção de diversas histórias, as quais merecem ser investigadas e, cujos resultados merecem atenção pública. Ressalte-se que esse imaginário construído também pode indicar memórias traumáticas de um sistema de saúde que começava a se implantar no Brasil na década de 1950.
Em relação aos temas holocausto e experiências médicas é preciso dizer que a memória coletiva dos moradores de Mamborê (PR) é reavivada de tempos em tempos. É provável que a evasão de nazistas disfarçados para a América do Sul pode ter sido alimentada por comentários de boca a boca, interpretações de manchetes de jornal, reportagens de televisão, livros, investigações de parentes de vítimas, depoimentos pessoais, entre outros. Em geral, a argumentação levanta suspeitas ligadas à falsa identidade de refugiados alemães no Brasil e associação aos experimentos científicos realizados com seres humanos em campos de concentração no regime nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao refletirmos sobre a importância deste tema e os problemas dele decorrentes ainda hoje, propomos dois encaminhamentos para esta pesquisa.
Em primeiro lugar,
poder-se-á investigar a influência da mídia (especialmente de jornais e televisão) no imaginário popular. Deste modo, como
primeira hipótese afirmamos que é possível que o destaque à presença de refugiados alemães no Brasil e no estado do Paraná tenha ativado gatilhos mentais desde fins da década de 1980. Desta forma, podem ter ocorrido associações às experiências médicas em campos de concentração, tanto em relação à sua continuidade em cidades brasileiras, quanto às práticas médicas de Josef Kanat no município de Mamborê. É possível conjecturar que o imaginário coletivo em Mamborê pode estar vinculado à opinião pública, a qual pode ter sido impactada e influenciada pelos meios de comunicação. É imprescindível averiguar os efeitos da mídia sobre indivíduos e sociedade, bem como a subjetividade presente na interpretação de fatos disseminados pelo
mass media por parte de vítimas de erros médicos. Neste sentido, é possível cruzar dados obtidos através de pesquisa de opinião pública entre os residentes na referida cidade e os depoimentos de pessoas que se consideram vítimas de Mengele/Kanat.
Em segundo lugar, poder-se-á investigar a relação entre os saberes médicos, a aplicação da política de estado no município de Mamborê entre a década de 1950, bem como a percepção da população sobre estes temas. Deste modo, como segunda hipótese, consideramos importante refletir a formação médica, a política de estado direcionada à saúde pública e à educação sanitária, uma vez que estavam ligadas à criação do Ministério da Saúde (1953). Deste modo, pode-se supor que o imaginário coletivo dos mamboreenses tenha associado os problemas de assistência médica, avaliação e acompanhamento das possíveis condutas médicas de Josef Kanat/Josef Mengele no referido município.
A partir deste direcionamento temático, cuja problematização articula imaginário, identidade e traumas psíquicos, resultantes de imperícia, imprudência ou negligência médica, propomos ações de intervenção e interação com a população do município de Mamborê. É perfeitamente viável o uso da História Pública Digital
[2] para refletir, compartilhar e difundir tanto o conhecimento histórico produzido na academia (o qual deve ser adaptado ao público), quanto à preservação de histórias e memórias traumáticas, as quais serão comunitariamente coletadas, refletidas e selecionadas para difusão pública. Desta forma, será produzido um
website composto por seções temáticas organizadas a partir de temas previamente selecionados, podendo ser reproduzidas entrevistas, no formato
podcast,[3] informações, noticias, arquivos, imagens e discussões que abordam os objetos da pesquisa. A criação do
website pode condicionar interconexões com o público em relação à interpretação do passado, e também promover a interação com debates atuais sobre a suposta passagem do médico nazista no município e seus desdobramentos na atualidade.
Em relação à metodologia proposta, é preciso dizer que através da pesquisa de campo essas memórias serão devidamente registradas, analisadas, armazenadas e difundidas a partir da metodologia em História Oral e História Pública. A contribuição da História Oral (e da pesquisa de opinião pública) para o campo da História Pública será a de instrumentalizar o compartilhamento de experiências vividas pelos moradores (as) e, ao mesmo tempo, refletir junto à Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão, a constituição de repositório dedicado à preservação e difusão de dados. Ao entendermos a História Oral como práticas relacionadas à História Pública têm-se como objetivos, ir além da simples recolha de memórias. Desta forma, as narrativas ou vozes públicas e seus respectivos espaços de difusão nos permitirá analisar, tanto a construção de uma cultura autobiográfica quanto argumentos comparativos que se construíram a partir de práticas médicas e do comportamento social da personagem histórica de Josef Kanat. Com a possibilidade de construção mútua de experiências e seu compartilhamento será possível à comunidade refletir de maneira mais sólida seu passado, e em especial, questões relacionadas à identidade e à saúde pública. Neste sentido, entendemos que cabe ao historiador público intermediar temas de interesse social, ouvir seu público e ficar atento às vozes que podem sinalizar as causas que remetem a traumas, preconceitos, bullying, etc. Igualmente é possível incentivá-los a pensar seu passado e a promoverem leituras e discussões coletivas sobre o tema.
[1] A presente proposta também está vinculada ao projeto Cidades, Museus e Monumentos: Lugares de Memória Pública (sécs. XX – XXI), de Michel Kobelinski, que visa promover a pesquisa em rede, a consolidação de linhas de pesquisa na instituição e a difusão do conhecimento em História Pública.
[2] A História Pública Digital é um campo em que o historiador (a) utiliza dos recursos digitais e tecnológicos no processo colaborativo com a população para divulgação histórica. De acordo com Noiret (p. 10, 2015) “As atividades de “história pública digital” nos sites interativos da
web de nova geração 2.0 favorecem um encontro “face a face” com a história e as suas fontes”.
[3] O
podcasting é um processo midiático baseado em emissões sonoras, que utiliza a Internet como suporte para seu funcionamento e propagação de suas mensagens. (FLORES, 2014, p.16).